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Dr. Moises Chencinski - CRM.: 36.349
Pediatria: da barriga para o mundo, com muita saúde!
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A primeira hora!

A primeira impressão é a que fica? Pensando assim, tudo o que pudermos fazer de bom no primeiro contato pode ser determinante para o futuro, não é mesmo? Seguindo esta linha de pensamento, o que não faríamos pelos nossos filhos para que eles pudessem se sentir bem durante toda a vida? Faríamos tudo, não é mesmo?

Assim, um pré-natal adequado, uma consulta com o pediatra a partir da 32ª semana de gestação, ambos com orientação a respeito de aleitamento materno, vacinação adequada (novidade: vacina tríplice acelular adulta aplicada em cada gestação, no último trimestre da gravidez, para imunizar o recém-nascido contra a coqueluche), a busca de um parto normal são algumas das boas práticas de proteção à infância.

Hoje, eu gostaria de chamar a atenção para um período muito menor, muito mais rápido e talvez tão ou mais decisivo do que esses 9 meses e do que o restante da vida de seu filho: a primeira hora, conhecida como “A hora mágica”. Esse curto espaço de tempo pode ser fator determinante para uma vida saudável do ponto de vista biológico, psicológico e emocional.

Uma publicação do Ministério da Saúde, (clique aqui), de 2011 (Além da sobrevivência) aborda esse tema de forma bem interessante. No último congresso da Academia Americana de Pediatria (2013), pude observar a importância dada a essas práticas:

Clampeamento tardio de cordão;
Contato pele a pele desde o parto e contínuo entre mãe e bebê;
Aleitamento materno exclusivo com início precoce.


Clampeamento tardio do cordão umbilical

Clampear o cordão é pinçar o cordão umbilical, preparando o seu corte, para evitar sangramentos tanto da parte da mãe quanto do bebê. Esse ato libera o bebê do contato com a mãe para que possam ser tomados cuidados necessários no momento.

O momento adequado para se clampear esse cordão tem sido motivo de discussões e debates durante as últimas décadas e passou de tardio (2 a 3 minutos após o parto, quando o cordão para de pulsar) a precoce (10 a 30 segundo após o parto, algumas vezes até com ordenha do cordão para levar mais sangue ao bebê), que é a prática mais atual.

Não há grandes evidências que tivessem justificado essa transformação, mas algumas preocupações, como o aumento de risco de icterícia, a vontade de levar rapidamente o bebê ao contato de pele com a mãe, partos hospitalares com características próprias (posição de parto, “necessidade” de avaliações e intervenções rápidas para os bebês) parecem ser, entre outras, algumas das possíveis razões para essa prática.

O estoque de ferro para o bebê é feito no último trimestre de gestação. Com a orientação de aleitamento materno exclusivo até o 6º mês (fundamental para um adequado crescimento e desenvolvimento do bebê), a única fonte de ferro que ele vai receber é a do leite materno, de excelente biodisponibilidade, que vai ser o suficiente para suprir suas necessidades durante esse período.

Enquanto o cordão umbilical está pulsando, há a passagem de sangue e oxigênio da mãe para o bebê. Em média, após o parto, essa pulsação ainda pode durar cerca de 2 a 3 minutos. Assim que o cordão parou de pulsar, pode-se efetuar seu clampeamento, sem riscos e com benefícios para o bebê e a mãe.

Estudos recentes, comparando crianças que tiveram seus cordões pinçados rapidamente com aqueles de clampeamento mais tardio, mostram a importância desse sangue que o bebê recebe a mais nesses 3 minutos para que sua taxa de ferro no sangue seja mantida adequada e satisfatória durante os seus primeiros 6 meses de vida. Outro dado interessante é que mesmo em recém-nascidos prematuros, há o benefício de proteção contra anemia precoce com o clampeamento tardio.

A ordenha do cordão, na tentativa de acelerar o processo e aumentar os índices de sangue e ferro para o bebê não são recomendados, pois podem aumentar os níveis de bilirrubinas (responsáveis pela icterícia) e provocar um quadro conhecido como policitemia (muitos glóbulos vermelhos a mais, dificultando a oxigenação do bebê e causando riscos). Segundo trabalhos realizados, isso não ocorre quando se aguardam os 2 a 3 minutos até que o cordão pare de pulsar.


Pele a pele

Somente o ser humano afasta os bebês de suas mães logo após o parto. Na natureza, o contato pele a pele é parte natural, intuitiva e instintiva de um bom começo de vida. Estudos recentes indicaram um aumento de 176% da atividade autonômica (frequência cardíaca, respiratória, transpiração, entre outros) e 86% de diminuição na duração do sono tranquilo em crianças que não tiveram seu contato pele a pele logo após o parto, mostrando a importância desse tipo de procedimento.

Desenvolvida em 1970 na Colômbia, foi apresentada pelo Ministério da Saúde, (clique aqui)

do Brasil em 1999, uma Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso – chamada de Método Mãe Canguru. A proposta era diminuir o tempo de incubadora e de internação, através dos benefícios promovidos pelo contato pele a pele do bebê com sua mãe (e/ou pai).

A prática do método Mãe Canguru, infelizmente, não teve a aceitação generalizada como esperada. E o contato precoce pele a pele também não é unanimidade em parte por desconhecimento e em outra parte por conclusões inadequadas.

No congresso da Academia Americana de Pediatria, foi dedicada uma aula em plenário, para todos os congressistas presentes, sobre o tema: Pele a pele: os mágicos primeiros momentos. Mais uma vez, fiquei encantado com a simplicidade e a lógica do processo.

Logo após o parto, coberto (ou não) com uma fralda de pano, colocado de bruços sobre o colo da mãe, sem pontos de pressão (sem apertar o bebê), observou-se que, intuitivamente e instintivamente, o bebê passa por 9 estágios que acontecem sempre na mesma ordem.

Ele chora, é colocado em contato direto com a pele da mãe (sobre o abdome e o peito), relaxa, volta a ficar alerta e se arrasta até alcançar as mamas. O bebê então toca, massageia a mama da mãe e isso faz liberar a prolactina e a ocitocina (hormônios que favorecem a saída do leite e liberam as emoções da mãe, reforçando o vínculo desde cedo).

Próximo ao seio, o recém-nascido olha, cheira, encosta a boca, lambe o mamilo, abocanha, completa a pega de forma adequada, mama e suga o seio, iniciando, assim, a primeira mamada.

Para esse procedimento é fundamental que tanto mãe quanto bebê estejam em boas condições de saúde, fora de qualquer risco, independente de tempo de gestação (se o bebê é de termo ou prematuro) e de tipo de parto (normal, fórceps ou cesariana).

Uma hora. É um tempo razoável e necessário para que essa nova família (bebê, mãe e pai) possa se vincular, para que o pai possa se sentir integrado ao processo do qual ele é, habitualmente, afastado.

Segundo alguns estudos mais antigos e muitos recentes, o contato pele a pele precoce traz uma série de benefícios para o bebê e para a mãe:

Reduz o choro do bebê (cerca de 10 vezes menos);
Fortalece o vínculo e a interação mãe-bebê;
O calor do corpo da mãe protege o bebê, muitas vezes, melhor do que na incubadora, do que em cobertores ou do que roupas. A liberação da ocitocina aumenta a temperatura do seio materno, quando o bebê está no pele a pele;
Favorece o início do aleitamento e sua duração;
Mantém a frequência respiratória, cardíaca e pressão arterial do bebê em níveis normais;
O bebê tem seu trato gastrointestinal estéril. A flora bacteriana intestinal, cada vez mais reconhecida como fator importante até na imunidade do ser humano, começa a ser formada pela passagem do bebê pelo parto normal. O contato pele a pele é a segunda fonte de colonização, através das mesmas bactérias que a mãe tem na pele e para as quais ela já tem anticorpos que serão transferidos para o bebê através do aleitamento materno;
Prematuros tardios apresentam uma estabilização do sistema cardiorrespiratório.


Aleitamento materno

A orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, (clique aqui), da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) é o aleitamento materno desde a primeira hora, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês, estendido até 2 anos de idade ou mais.

Apesar dessas recomendações simples e claras, embora os índices estejam melhorando nos últimos 20 anos, ainda estamos distantes da meta estabelecida por esses órgãos como ideais.

Nossa média de aleitamento materno exclusivo no Brasil é de 51 dias (contra os 6 meses desejados) e temos 41% de mães ainda em aleitamento aos 6 meses (contra os 95 a 100% recomendados).

Juntamente com o clampeamento tardio do cordão e o contato pele a pele, o aleitamento materno desde a primeira hora de vida pode ser um fator determinante nos cuidados de saúde das crianças que pretendemos que seja a geração dos 100 anos.

Muitos estudos comprovaram a influência da primeira mamada na diminuição da mortalidade infantil. Estudo realizado em Gana, comparou dois grupos de crianças, um com aleitamento materno na primeira hora de vida e outro sem essa prática e houve uma redução de 22% na mortalidade neonatal por qualquer causa. O estudo comprovou uma diminuição risco de 4 vezes na mortalidade dessas crianças, quando exclusivamente amamentadas ao seio.

Pesquisas comprovam que o contato pele a pele é um dos maiores estímulos ao sucesso do aleitamento materno. O leite que o bebê ingere logo após o parto, por 7 dias, é o colostro, imunologicamente enriquecido com anticorpos e que pode ser iniciado logo após o parto.

O colostro (leite na primeira semana de vida) é rico em anticorpos, em células ativas do ponto de vista imunológico e desde cedo ajudam a formar a microbiota (flora intestinal normal) do bebê, protegendo contra infecções. Muitos autores já consideram o colostro como a primeira vacina que o bebê recebe.

A quantidade de colostro é pequena, para se acomodar ao pequeno volume do estômago do bebê e ajuda a eliminação mais rápida do mecônio (as fezes verdes grossas, pegajosas) dos recém-nascidos, diminuindo a possibilidade de icterícia.


O que podemos concluir?

Com essas 3 dicas simples, de fácil compreensão e execução, podemos proporcionar maiores chances de uma ótima primeira impressão para o bebê sobre o mundo que o espera e uma perspectiva de 100 anos de vida com saúde, conforme o projeto da SBP.

O clampeamento tardio do cordão umbilical, o contato pele a pele e o aleitamento materno na primeira hora de vida podem ser discutidos com seu pediatra em consulta na 32ª semana de gestação, conforme indicação da Sociedade Brasileira de Pediatria e, durante as consultas regulares de pré-natal, com seu obstetra.








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