Colunistas

Dra. Erica Monteiro
Dermatologista - CRM 87350-SP
Artigos | Currículo   

Nas Entrelinhas da Pele!

21/08/2013

A pele expressa mensagens e pensamentos além das palavras. Muitas vezes, apenas com exame cutâneo inferimos o sexo (homem, mulher), a idade (criança, adulto, idoso), o grupo étnico (negro, branco, índio, asiático), a saúde geral e muitas outras informações sobre o indivíduo. A pele também comunica o estado de ânimo e emoções, como alegria, angústia, tristeza, medo.

Muitos artistas simbolizam emoções usando a aparência da pele e vemos muitas condições cosméticas em desenhos e pinturas destacadas para realçar a dramatização da cena.


PELE: SUPERFÍCIE E ESSÊNCIA

Ao assistirmos a um bom filme, recebemos variadas informações e mensagens. Essas mensagens são transmitidas pela história construída na fala e nos diálogos entre os atores, pela trilha sonora, figurino, efeitos especiais e também pelas características psicológicas e físicas dos personagens. Neste último item, as lesões elementares cutâneas e variados quadros dermatológicos podem contribuir para a trama e, até mesmo, serem decisivos na caracterização de um personagem. Amostra sui generis dessa realidade está no portal do cinema e da dermatologia do dermatologista norte-americano Dr. Vail Reese no www.skinema.com . O Skinema seleciona atores com certas dermatoses na vida real e na ficção, ou seja, quando apresentam algum tipo de lesão, marca ou cicatriz criada para compor o personagem. Dr. Reese destaca que a nossa atitude diante da dermatose mostrada na tela reflete a impressão, os mitos e as fantasias que a sociedade tem dessa doença. Segundo Reese, poucos filmes utilizam as doenças dermatológicas simpaticamente, pois na maioria dos casos têm uma conotação negativa.

Como a vida imita a arte e vice-versa, mesmo nos dias de hoje, com o grau de informação disseminado, pessoas com doenças de pele não infecciosas – como a psoríase, o vitiligo e o episódio recente da criança que foi barrada no aeroporto por pura falta de informação, pois ela tinha a doença epidermólise bolhosa– são vistas como se tivessem algum tipo de peste ou praga. Muitas vezes essas pessoas são segregadas ou tratadas com preconceito e ainda a própria pessoa pode entrar num estado de depressão e de isolamento social. Demonstraram-se sintomas de depressão nos pacientes com psoríase, vitiligo, acne cicatricial e outras doenças desfigurantes, sendo que muitos até já pensaram em suicídio. A doença de pele não representa algo mal, uma herança do mal, mas sim uma situação muitas vezes difícil e incapacitante. Alguns filmes como Mask (O Máscara) e Philadelphia (Filadélfia) são exemplos que nos lembram da situação de ostracismo que pode resultar de uma doença da pele.



ALÉM DO BEM E DO MAL

Peles marcadas por cicatrizes de acne grave, cicatriz pós-trauma e até cicatrizes deformantes pós-queimadura e das doenças bolhosas são frequentemente vistas nos personagens que representam o mal. Um exemplo clássico é o temido Freddy Krueger de A Nightmare on Elm Street (versão brasileira: A Hora do Pesadelo) que assustou gerações de adultos e adolescentes com suas cicatrizes deformantes pós-queimadura. A conotação da imagem de Krueger era o mal. Na vida real sabemos do sofrimento dos doentes com essa afecção e que as marcas externas não refletem nenhum desvio moral dessas pessoas. Ainda representando o mal, lembramo-nos da cicatriz sinistra que denominou e caracterizou o gângster Scarface. Várias outras cicatrizes e tatuagens já surgiram na tela para dar maior dramaticidade ao personagem e, geralmente, marcá-lo como mal.




O que é, efetivamente, a doença da criança que foi barrada para embarcar?

EPIDERMÓLISE BOLHOSA: UM POUCO DE CIÊNCIA

O conhecimento da natureza não contagiosa da epidermólise bolhosa poderá acalmar as pessoas que eventualmente tenham contato social com portadores dessa doença. A epidermólise bolhosa engloba um conjunto heterogêneo de doenças que afetam vários componentes estruturais da pele.

A pele é constituída por várias camadas de células ligadas entre si por fibras de proteínas. Na epidermólise bolhosa estas fibras de união não funcionam eficazmente, por isso as várias camadas de pele se separam facilmente. O espaço que se forma entre as camadas é preenchido por soro ou sangue, surgindo, assim, uma vesícula / bolha. As bolhas se desenvolvem, geralmente, após pressão mecânica, pequeno trauma local ou fricção, mas podem ocorrer espontaneamente na pele e / ou nas mucosas, como resultado da fragilidade da pele. Mais de vinte subtipos têm sido descritos, de acordo com o tipo de padrão genético, distribuição regional das lesões e aparência individual destas, presença ou não de atividade extracutânea e achados ultraestruturais e imunohistoquímicos. Estes subtipos são divididos em três categorias:

(1) Epidermólise Bolhosa simples;

(2) Epidermólise Bolhosa juncional

(3) Epidermólise Bolhosa distrófica.


Dependendo da formação de posteriores cicatrizes e consequentes atrofias, as Epidermólises Bolhosas são divididas em distróficas e não-distróficas. Há, ainda, a nomenclatura epidermólise bolhosa adquirida, afecção não integrável neste grupo porque não apresenta determinação genética e é provavelmente de natureza autoimune.

O grupo das Epidermólises Bolhosas distróficas é dos que impõem restrições mais severas e é especialmente significativo, pois requer adaptações sociais e educacionais a seus portadores e cuidadores. A separação das camadas da pele é profunda, por isso, as bolhas podem dolorosas e sangrentas. Algumas bolhas são mais superficiais. As unhas têm tendência a deslocar e a cair.

No caso das crianças pequenas, tarefas simples, como engatinhar, caminhar, utilizar determinados tipos de roupas ou sapatos demandam esforços suficientes para provocar a formação de bolhas. As bolhas de maior profundidade formam cicatrizes que têm a aparência de uma queimadura. As repetidas cicatrizes levam a complicações como a pseudosindactilia, condição na qual o crescimento das cicatrizes causa a perda do movimento dos dedos do paciente, evoluindo para deformação dos dedos e das mãos.

Cuidados

O tratamento é multidisciplinar e nenhum tipo específico de terapêutica existe. Deve-se evitar trauma na pele, manter a higiene do paciente e do local onde se vive.


Importante ter acompanhamento do médico dermatologista, de psicológicos, nutricionistas, odontologistas e de outros profissionais da saúde.


As emoções da pele

Por não ser apenas uma barreira ou envoltório, as alterações inestéticas da pele causam intenso sofrimento e desconforto ao paciente e, algumas vezes, repulsa e rejeição das pessoas que o cercam. O caso do menor viajante de apenas 04 anos é um exemplo recente. Não se pode voltar atrás e remediar o sofrimento do garoto que sofreu preconceito por ter uma doença estigmatizante, mas não contagiosa.

No entanto, fica um alerta para prevenção de constrangimentos futuros, desnecessários para outros portadores de doenças cutâneas visíveis e para que a mesma criança não sofra novamente. Sabemos que a equipe da aviação civil deve seguir regras e normas para garantir a segurança das dezenas de pessoas que ficam confinadas na aeronave, mas a educação, o bom senso e diálogo nos torna diferentes dos outros habitantes do planeta ( não Humanos). Não nos torna melhores que os outros habitantes, mas permite que façamos escolhas racionais, ponderadas, considerando todas as variáveis para o bem comum. O leigo não tem como reconhecer uma doença rara, mas todos poderiam buscar uma solução que não causasse ainda mais sofrimento da criança.



REFERÊNCIAS

1- Monteiro EO. A dermatologia na sétima arte. Revista Brasileira de Medicina. Suplemento Especial de Cosmiatria. Editorial. Dezembro 2008. Em : http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=3902, acesso 20 agosto 2013.

2 - Monteiro EO. A arte e a dermatologia cosmética. Revista Brasileira de Medicina. Suplemento Especial de Cosmiatria. 2010; 67:4-8.

3 - Monteiro EO, Baumann LS, Welsh E, Kaufman J. Beyond Beauty. Cosmetic Dermatology, 2006

4 - Alves ACF e cols. Imunomapeamento no diagnóstico das epidermólises bolhosas hereditárias distróficas. An Bras Dermatol 76.5 (2001): 551-560.



Por Dra. Érica Monteiro – Dermatologista CRM-SP: 87350 RQE: 35687








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